Diagnósticos Psiquiátricos
DIAGNÓSTICOS PSIQUIÁTRICOS
Capítulo 6. Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
TOC: O que é Transtorno Obsessivo-Compulsivo?
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é caracterizado por pensamentos intrusivos e dolorosos, e/ou por compulsões repetitivas, que podem ser ações ou pensamentos, que usualmente são realizados na tentativa de anular ou neutralizar as obsessões. A prevalência de TOC ao longo da vida é de 2,5% na população, de acordo com estudos epidemiológicos da área.
Sintomas de TOC e critérios diagnósticos
Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) não classifica mais o TOC como um tipo de transtorno de ansiedade, e sim em um capítulo à parte denominado “Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Associados”. Os outros transtornos do capítulo são: Transtorno Dismórfico Corporal, Tricotilomania, Transtorno de Acumulação e Transtorno de Escoriação (Skin Picking).
Os sintomas de TOC são muito heterogêneos entre si e também diferentes de mera ansiedade. O TOC se caracteriza pela presença de obsessões e/ou compulsões. Além disso, é frequente que o indivíduo tenha certos vieses de pensamento e experiencie fenômenos sensoriais.
Obsessões
Obsessões são pensamentos recorrentes e persistentes, impulsos ou imagens, que são experienciadas como intrusivas e indesejadas, provocando ansiedade e estresse. O indivíduo com TOC tenta suprimir ou ignorar as obsessões, ou neutralizá-las com outro pensamento ou ação, denominada compulsão. As obsessões podem ser compreendidas nas seguintes dimensões:
- Obsessões de conteúdo de agressão, sexo ou religião e compulsões relacionadas
- Obsessões de simetria e/ou ordenação e compulsões relacionadas
- Obsessões de contaminação e compulsões relacionadas
- Obsessões e compulsões de colecionamento
Compulsões
Compulsões são comportamentos repetidos ou “ações mentais” em resposta a uma obsessão, que são realizados com o propósito de prevenir ou aliviar o sofrimento da obsessão ou de alguma situação temida. Contudo, as compulsões não têm uma relação real com aquilo que se tenta neutralizar, ou são claramente excessivas.Alguns exemplos de compulsões são:
- Limpeza: lavar compulsivo de mãos, escovar compulsivo de dentes etc.
- Verificação, checagem e reasseguramento: verificar repetidas vezes a tranca das portas, o acendedor do fogão, checar compulsivamente uma informação, muitas vezes repetindo perguntas;
- Ordenação e arrumação: enfileirar objetos, arrumar compulsivamente de acordo com critérios;
- Contagem: contar um determinado número de vezes, contar coisas, contar números ímpares etc
- Simetria e lateralidade: arrumar objetos, encostar em coisas de forma sim ética.
Vieses de pensamento
Estudos têm investigado também o que se denomina de “distorções cognitivas”, ou seja, vieses no modo como interpretam algumas situações aversivas, relacionadas ou não às obsessões e compulsões. Os principais vieses são:
- Exagerar o risco: superestimar a gravidade de eventos negativos;
- Exagerar a responsabilidade: se responsabilizar de modo exagerado por ter que impedir situações negativas, como doenças, acidentes, desastres ou danos.
- Valorizar de forma excessiva os pensamentos e a necessidade de controlá-los: O problema não estaria no conteúdo do pensamento, mas sim na interpretação distorcida do mesmo, supervalorizando sua importância e a necessidade de controlá-los.
- O “Efeito Urso Branco”: trata-se de uma história de Leon Tolstoi, em que seu irmão não conseguia parar de pensar em ursos brancos justamente porque se esforçava em fazê-lo. Analogamente, quanto mais os pacientes com TOC tentam afastar as obsessões, mais presentes elas se tornam.
- Valorizar a necessidade de ter certeza: esforço para ter certeza absoluta sobre o passado e o futuro. Muito associado a obsessões de dúvida e a compulsões de repetição, verificação e reasseguramentos.
- Perfeccionismo: busca por soluções perfeitas para os problemas, com metas exageradas e inatingíveis.
Fenômenos sensoriais
Cerca de 80% dos pacientes com TOC de início precoce ou associado a tiques relatam o que se chama de “fenômenos sensoriais”: sensações ou percepções físicas desconfortáveis que precedem ou acompanham os comportamentos repetitivos. Os principais fenômenos sensoriais são:
- Sensações físicas desconfortáveis: podem ser táteis, nos músculos, ossos ou mesmo órgãos internos;
- “Estar em ordem” (“just-right”): necessidade dos objetos parecerem visualmente “em ordem”, de sons “soarem de determinada maneira”, de tocar em coisas, pessoas ou em si mesmo até ter uma sensação tátil de que ficou “em ordem”;
- Sensação de incompletude ou necessidade de sentir-se “em ordem”: desconforto pela sensação de que não se está em ordem, e compulsões que então produziriam a correção dessa sensação;
- Sensação de energia acumulada: sensação de tensão ou energia que cresce e precisa ser descarregada pela compulsão;
- “Ter que fazer”: compulsões que simplesmente aliviam a sensação de que elas “têm que ser feitas”.
Comorbidade do TOC com outros transtornos psiquiátricos
Mais da metade dos indivíduos com TOC também têm algum outro transtorno psiquiátrico. Ou seja, o TOC “puro” é mais exceçãoo do que regra. As comorbidades com TOC mais encontradas são: Depressão Maior (69,7%), Transtorno de Ansiedade Generalizada (35,4%), Transtorno de Ansiedade Social (36,8%), Fobia Específica (32,4%) e Transtorno de Ansiedade de Separação (24,6%). Há comorbidade com Skin Picking (16,7%) e com o Comprar Compulsivo (10,8%). A comorbidade com Tiques é de 28,7% dos casos. No diagnóstico do paciente, o psiquiatra avalia cuidadosamente se há comorbidades e qual a relação entre elas, de modo a planejar um tratamento adequado.
Causas do TOC
Pesquisas com gêmeos com TOC têm encontrado que a herdabilidade genética seria de 45 a 65% nos casos de início precoce, e de 27 a 47% em adultos. Mas não se pode falar em “causa genética”, e sim em uma junção de fatores genéticos e ambientais. Pesquisas sobre famílias indicam que as chances de se ter TOC são quatro vezes maiores em familiares de pacientes com TOC.
Quanto à participação ambiental, pesquisas têm encontrado aumento na prevalência de TOC correlacionado com diversos fatores, como: desemprego ou inatividade profissional, separação, divórcio ou viuvez, uso de maconha/cocaína, abuso ou dependência de álcool ao longo da vida. Há também maiores taxas de TOC entre adolescentes que sofreram mais eventos indesejáveis ao longo da vida.
Tratamento para TOC
O tratamento não farmacológico mais eficaz para o TOC é a Terapia Comportamental. Dentre os procedimentos que o terapeuta utiliza, um dos mais importantes é denominado de “exposição com prevenção de respostas”. Contudo, o melhor tratamento é aquele que não se resume à mera aplicação de uma técnica, e sim que se constrói personalizado a cada paciente, a partir de suas características individuais. Para isso, o terapeuta comportamental faz a Análise Funcional do comportamento, identificando o papel do contexto de vida na instalação e na manutenção do problema, da qual ele deriva seu tratamento. Dois outros tipos de terapêutica do clínico comportamental são a Terapia de Aceitação e Compromisso e a Psicoterapia Analítica Funcional.
Em cerca de 88% dos casos de TOC, a família acaba participando das compulsões, isto é, realizando os rituais junto com o paciente ou sendo ela mesma parte dos próprios rituais. Isso acaba fortalecendo esses comportamentos e, por isso, é importante que a família seja orientada pelo psiquiatra ou pelo terapeuta comportamental. Pela Análise Funcional do Comportamento, pode-se identificar a função que a compulsão pode, inconscientemente, ter adquirido tanto para o paciente quanto para os familiares. A partir dessa função, é possível traçar um plano de intervenção envolvendo a família para alterar esta dinâmica para benefício de todos. A psicoeducação – ensino ao paciente e à família sobre o que é o TOC e o tratamento – é parte importante da intervenção do psiquiatra e do terapeuta comportamental.
Em termos de intervenção farmacológica, as pesquisas também indicam importantes resultados sobretudo com medicamentos inibidores da recaptação de serotonina (IRS), inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e tricíclicos. A escolha do medicamento é realizada cuidadosamente pelo psiquiatra, que deve avaliar qual ou quais serao mais apropriados para cada paciente, bem como a sua dosagem. A combinação de terapia comportamental com medicação é a melhor alternativa de tratamento.
TOC em crianças e adolescentes
O TOC é denominado “de início precoce” quando se manifesta na infância, em geral em torno dos dez anos de idade. É mais prevalente entre meninos do que entre meninas. O TOC em crianças e adolescentes é similar ao TOC em adultos, mas tem algumas peculiaridades:
- Maior número de comorbidades com outros transtornos;
- Maior frequência de compulsões similares a tiques (“tic-like”);
- Maior gravidade dos sintomas;
- Mais compulsões do que obsessões;
- Maior frequência de fenômenos sensoriais;
- Maior proporção de obsessões somáticas, com simetria e medos supersticiosos;
- Maior proporção de compulsão de limpeza, de contagem e de tocar/esfregar.
Em crianças, os transtornos mais frequentes em comorbidade com TOC são: ansiedade de separação, fobia social, transtorno dismórfico corporal e transtorno de tiques.
A prevalência de TOC em crianças e adolescentes é de cerca de 1-2%. Os critérios diagnósticos para crianças são os mesmos, mas não há a necessidade da criança reconhecer que seus sintomas são excessivos ou irracionais.
É comum que a identificação dos sintomas de TOC seja mais difícil em crianças, pois muitas vezes ela não consegue ou reluta em falar sobre suas manias. Além disso, muitas das compulsões da criança são confundidas com meras brincadeiras, passando despercebidas. Usualmente os pais notam que algo está errado quando identificam algumas das consequências das compulsões, como por exemplo lesões na pele devido ao limpar compulsivo ou o tempo excessivo gasto para fazer atividades.
Referências
The Australian Psychological Society. (2010). Psychological interventions in the treatment of mental disorders: A literature review. http://www.psychology.org.au/Assets/Files/Evidence-Based-Psychological-Interventions.pdf
American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V).
Associação Brasileira de Psiquiatria [ABP] (2009). Transtorno Obsessivo-Compulsivo: Diagnóstico. In: Diretrizes Clínicas na Saúde Suplementar. Associação Médica Brasileira e Agência Nacional de Saúde Suplementar. http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/transtorno_obsessivo_compulsivo-diagnostico.pdf
Associação Brasileira de Psiquiatria [ABP] (2011). Transtorno Obsessivo-Compulsivo: Tratamento. In: Diretrizes Clínicas na Saúde Suplementar. Associação Médica Brasileira e Agência Nacional de Saúde Suplementar. http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/transtorno_obsessivo_compulsivo-tratamento.pdf
Cordioli, A. V. (2014). Diagnóstico do TOC, diagnóstico diferencial e comorbidades. In: A. V. Cordioli (Org.), TOC: Manual de Terapia Cognitivo-comportamental para o Transtorno Obsessivo-compulsivo. 2a edição. Porto Alegre: Artmed. http://www.ufrgs.br/toc/images/profissional/material_didatico/diagnostico_clinico_diagnostico_diferencial_e_comorbidades_no_TOC.pdf
Videos informativos sobre TOC
Video 1. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): Video para crianças.
Video 2. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): A doença da dúvida.
Obs: Fizemos as legendas em português para vocês. Se as legendas não aparecerem automaticamente no seu computador, ative-as utilizando o botão “legendas ocultas” – “português”, no canto inferior direito do seu video.