Imagine a situação: está você já há algum tempo trabalhando no mesmo setor de uma mesma empresa, e constantemente isso te deixa frustrado. Aquela almejada promoção nunca apareceu, mesmo você se esforçando muito a impressão que sempre te assombra é que você simplesmente não consegue ter o mesmo desempenho que alguns colegas.
Com o passar do tempo, isso vai te frustrando mais e mais, até um momento que só “desmotivação” não explica a dificuldade que você anda tendo. Aparecem críticas e a angústia que vai sendo gerada pela situação de maneira geral te deixa também ansioso, eventualmente fazendo com que se sinta deprimido.
Por conta dessa ansiedade ou depressão e as demais consequências que vêm atreladas a elas, você decide que está na hora de procurar ajuda psiquiátrica. Será que você está com depressão de fato? E vem a surpresa: sim você está deprimido, mas não só! Você tem TDAH.
Oi? Repete que eu não entendi!
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, o famoso TDAH, é um diagnóstico psiquiátrico caracterizado principalmente por três fatores: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Os três não precisarem estar presentes ao mesmo tempo, visto que o TDAH pode se apresentar sem desatenção ou hiperatividade.
A combinação destes três fatores varia muito de pessoa para pessoa, podendo também apresentar diferentes intensidades. Existem algumas características neurológicas identificáveis que estão relacionadas ao TDAH e alguns outros transtornos, mas o desenvolvimento da pessoa e a maneira que ela tenta lidar com sua vida é o que acaba definindo a gravidade do transtorno.
Para ser realizado tal diagnóstico, é importante fazer uma investigação psiquiátrica cuidadosa para se garantir que a dificuldade da pessoa não é por outras causas como problemas alimentares, visuais, auditivos ou outros transtornos de aprendizado. Somadas a essa avaliação, algumas características devem estar presentes já por meses, tanto em situações de estresse como em dias corriqueiros, e causarem prejuízo em duas ou mais esferas da vida da pessoa.
Sabe aquela monografia que você não conseguia terminar na faculdade? Ou aquelas reuniões que você não consegue lembrar de sequer ter participado? Tem também aquelas brigas que acontecem por sempre acharem que você está viajando quando estão tentando conversar com você! Se tais situações ou similares acontecem ao longo da sua vida com certa frequência, talvez você tenha ouvido certo, pode ser que você de fato tenha TDAH.
E o que isso significa?
Isso significa que geralmente você vai ter mais dificuldade de permanecer focado do que a maioria das pessoas, e talvez tenha uma dificuldade maior em algumas tarefas do que geralmente é esperado. Não é incomum que isso aconteça já desde pequeno, e tenha causado certa frustração ao longo da vida. Por ser mais desatento, a tendência é que menos estratégias sejam desenvolvidas para lidar com certos problemas.
Com o passar dos anos isso pode se agravar, principalmente quando comparações são traçadas. Como naquela conversa sobre o tempo que passaram estudando para uma prova, na qual você percebe que estudou muito mais, mas não tinha compreendido metade do que seus colegas haviam em metade do tempo. Estas situações têm uma tendência a minar sua confiança com o passar dos anos e, somando também o número reduzido de estratégias, geram um desgaste muito grande para resolver problemas simples.
Veja: o fato de ter desatenção não quer dizer que você não conseguiria prestar atenção em nada, e sim que prestar atenção por longos períodos fica muito mais difícil do que deveria, e quanto mais tediosa ou incômoda a tarefa, pior essa desatenção fica. Considere também que se a pessoa assiste diversos episódios de um seriado enquanto responde mensagens no celular ela não está focada no seriado e talvez nem no celular.
Daí consideramos também a organização necessária para algumas tarefas. Ao receber um boleto por correio, a pessoa tem que checar o boleto, verificar quanto teria que pagar e quando, verificar quanto tem disponível na sua conta e se organizar para ir pagar. É comum que em algum destes intervalos o sujeito com TDAH acabe esquecendo ou se perdendo. Prazos de trabalho, localizar coisas em casa, lembrar se fez determinada tarefa antes ou não, agendar alguma coisa, todas são tarefas aparentemente simples, mas que podem ser muito complicadas para alguém desatento.
Mas não é apenas em tarefas ou trabalhos que aparecem os problemas, nem somente por acabar perdendo parte de uma conversa por conta de uma distração ou esquecer algum compromisso. Até agora falamos mais em desatenção, mas a hiperatividade em tendência atrapalha mais no social. Pode ser aquela pessoa que não para de falar na roda, ou constantemente interrompe as pessoas, ou tenta completar as frases dos outros.
E onde entra a impulsividade?
A impulsividade é o mais esquecido dos critérios de TDAH entre leigos, mas gera tantos problemas quanto os outros. Por conta da dificuldade em resolver tarefas ou até do tédio perante a situação, a pessoa com TDAH começa a buscar alternativas, procurando de alguma maneira um prazer imediato ou um alívio do incomodo. De repente, ao invés de estudar para a prova ou fazer aquele trabalho, arrumar o quarto ou lavar a louça parece mais atrativo e urgente.
Dificuldades emocionais e financeiras também são comuns, e transtornos do impulso como abuso de substâncias ou explosividade aparecem com frequência. A busca pelo imediato vai fazer com que a pessoa gaste sem perceber que passou do limite e gere dívidas; ou a pessoa não percebe algumas questões que podem estar prejudicando algumas de suas relações e então não consegue manejá-las antes que seja tarde.
Por conta de todas as questões supracitadas, não é nenhuma surpresa que o indivíduo com TDAH apresente episódios depressivos ou ansiosos, estes sendo na verdade o principal motivo pelo qual buscam apoio psiquiátrico e psicológico.
Mas eu já sou mais velho, não sou mais nenhum adolescente para ter TDAH!
O TDAH não está restrito a certas idades; ao longo da vida, as pessoas vão buscando manejar os sintomas de uma maneira ou outra, mas é provável que encontrem algum tipo de obstáculo maior em algum momento. Este tipo de obstáculo vai aparecer mais na vida adulta, onde é necessário se manejar uma série de responsabilidades que não se tinha quando mais jovem.
Com o passar do tempo, o número de responsabilidades irá aumentar ao longo da vida. Ao mesmo tempo em que a pessoa tenta manejar a carreira profissional e os estudos, eventualmente também é importante considerar o desenvolvimento de um relacionamento, das amizades, possivelmente de filhos, organização financeira e manutenção do lar. Com todas estas coisas mesmo um TDAH melhor preparado pode acabar se perdendo.
É assustador você ir com a expectativa de receber um remédio para melhorar sua depressão ou ansiedade e de repente você sair com diagnóstico de TDAH, mas isso não quer dizer que as coisas não podem melhorar; muito pelo contrário!
O que eu faço agora?
Se confirmado o diagnóstico, o médico provavelmente te receitará alguma medicação para TDAH que o ajudará a ter mais foco e manejar a impulsividade. Junto com isso, irá recomendar que busque apoio psicoterapêutico adequado, com o objetivo de te ajudar a formular estratégias para lidar com as dificuldades que você tem, e colocá-las em prática, sejam estas relacionadas com o TDAH ou não.
Com o apoio da medicação, fazer algumas coisas que se tinha dificuldade antes pode tornar-se menos cansativo, mas isso não quer dizer que ainda não seja difícil! Ou seja, a medicação junto ao apoio psicoterapêutico é o ideal, dando a possibilidade para o sujeito de ele entender o que está acontecendo, formular estratégias e discuti-las de maneira a deixá-las o mais bem adaptadas possível.
Com o passar do tempo, vão ter sido encontradas algumas estratégias que facilitarão lidar com os problemas que antes eram tão difíceis! Aquilo que antes poderia ter sido visto como impossível torna-se algo bem menos assustador, e na grande maioria dos casos fica claro o ganho com o tratamento. Claro que uma dificuldade ou outra ainda irão aparecer, mas isso é normal e acontece na vida de todos nós.
Infelizmente, não se tem um tempo exato para a duração desse processo. Algumas pessoas poderão ter mais facilidade que outras, mas é importante ressaltar que uma adaptação é inteiramente possível. Isso não quer dizer que o TDAH foi curado, ele sempre estará lá, mas agora você sabe resolver os problemas com muito mais tranquilidade.
E se eu não quiser tomar remédio?
Essa opção é sua, caso não concorde em tomar a medicação é importante ficar ciente dos benefícios que ela pode trazer e que, mesmo depois de iniciar, você e seu psiquiatra irão avaliar continuamente o uso e a dosagem ao longo das consultas. Caso esteja tendo efeitos colaterais ou não esteja ocorrendo o benefício esperado pelo uso, é inteiramente plausível a suspensão da medicação, mas é sempre importante discutir com seu psiquiatra e seu terapeuta para chegarem em um consenso.
Decidindo juntos, você estará ciente dos benefícios de tomar a medicação, dos riscos e também ajudará os profissionais a melhor guiar seu trabalho para te auxiliar nas dificuldades que inevitavelmente irão surgir, independente se com ou sem uso da medicação.
Se é assim simples, por que tanta controvérsia?
Considere também que desatenção é confundida com preguiça e desinteresse, sendo necessário a diferenciação destes para que as pessoas próximas ou até o próprio paciente reconheça sua dificuldade. Muitos pacientes com TDAH são muito esforçados, mas sofrem por conta do desempenho abaixo do que esperavam, principalmente quando se comparam com outras pessoas.
Em 2002, a comunidade médica mundial reconheceu o TDAH como um transtorno real em um artigo no qual eles se referem a um “consenso internacional”. É importante uma investigação cuidadosa dos sintomas e, caso confirmado o transtorno, dar início ao tratamento e às orientações necessárias, sendo estes adaptados para a necessidade de cada indivíduo.
Bastante coisa, não acha? Vá com calma, todas as pessoas têm dificuldades, se neste momento você já passou pela história do nosso personagem no começo ou se você tem receio disso, não se preocupe, o fato de você ter TDAH não te define, é apenas uma dentre muitas características que faz você ser quem você é. Não precisa sentir vergonha! Com o acompanhamento certo, formulação e treino é inteiramente plausível desenvolver as habilidades necessárias para lidar com esse transtorno, da mesma maneira que pensaríamos em manejo de dieta por conta de uma hipertensão. O TDAH está aí, e se você tem esta dificuldade, pense: será que está na hora de pedir ajuda?
Saiba mais:
Associação Brasileira de Déficit de Atenção
Critérios de diagnósticos para TDAH
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