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O Perigo do Vício em Brawl Stars: Um Alerta para os Pais e Escola

Dra. Giovana Del Prette

Psicóloga infantil, Mestre em Psicologia Clínica, Especialista em Terapia Comportamental, Doutora em Ciências e Pós-Doutora em Psiquiatria. Contato: gdprette@gmail.com / (11)98855-3466 / www.acaciapsi.com.br

Introdução

O jogo Brawl Stars tornou-se um dos mais populares entre crianças e adolescentes, conquistando milhões de jogadores ao redor do mundo. No entanto, especialistas alertam para os efeitos viciantes do jogo e seus impactos no desenvolvimento infantil. O vício em jogos eletrônicos pode levar a mudanças comportamentais, dificuldades emocionais e até impactos negativos na vida escolar das crianças.

Este artigo explora os mecanismos psicológicos e neurológicos por trás do vício em jogos digitais, além das implicações sociais do envolvimento excessivo com esse universo. Além disso, abordamos a influência dos youtubers que jogam Brawl Stars e como isso reforça o apego das crianças ao jogo. Por fim, discutimos como a exposição prolongada a esses estímulos pode levar a consequências negativas na vida real.

Com base em referências científicas e em estudos de especialistas, este artigo pretende fornecer um panorama detalhado dos perigos desse tipo de entretenimento. Pais e educadores devem estar atentos para identificar os sinais de dependência digital e ajudar as crianças a desenvolverem um uso equilibrado da tecnologia.

Mecanismos de Vício em Jogos Digitais

Estudos na área da neurociência e psicologia comportamental mostram que os jogos eletrônicos utilizam mecanismos específicos para prender a atenção e gerar compulsão nos jogadores. Brawl Stars emprega diversas estratégias para manter os jogadores engajados e, muitas vezes, dependentes do jogo.

Um dos principais mecanismos utilizados é o sistema de recompensas variáveis, baseado na teoria do condicionamento operante de Skinner (1953). Quando uma criança joga, ela recebe recompensas aleatórias, como novos personagens ou melhorias nos itens do jogo. Essa incerteza faz com que o cérebro libere dopamina, reforçando o comportamento de continuar jogando (Howard-Jones, 2011). Assim, as crianças ficam presas em um ciclo contínuo de expectativa e frustração.

Além disso, o jogo utiliza o conceito de progressão e escassez artificial, criando obstáculos que incentivam o jogador a continuar jogando para desbloquear novos conteúdos. O tempo necessário para atingir certos objetivos é deliberadamente prolongado, levando algumas crianças a gastar dinheiro real em compras dentro do jogo para acelerar seu progresso (King et al., 2010). Esse tipo de estrutura dificulta que a criança perceba os limites do próprio envolvimento com o jogo.

Outro fator relevante é a competitividade e o status social dentro do jogo. Crianças buscam reconhecimento ao atingir patamares mais altos, o que reforça a necessidade de continuar jogando (Griffiths, 2018). O medo de ficar para trás em relação aos amigos pode levar ao uso excessivo do jogo, muitas vezes substituindo outras atividades saudáveis, como brincadeiras ao ar livre, leituras ou interações sociais presenciais.

Efeito da Dopamina e Risco de Anedonia

Pesquisas demonstram que o excesso de estímulos digitais pode levar à redução da resposta dopaminérgica em atividades cotidianas. Esse fenômeno, conhecido como anedonia induzida por dopamina, ocorre quando o cérebro passa a associar o prazer exclusivamente ao jogo, tornando outras atividades menos gratificantes (Kardefelt-Winther, 2017).

A dopamina é um neurotransmissor essencial para a sensação de prazer e motivação. Quando liberada em excesso por jogos eletrônicos, pode levar ao enfraquecimento da resposta a estímulos normais, como estudar, praticar esportes ou interagir socialmente. Assim, crianças que passam horas jogando podem começar a sentir desinteresse por atividades que antes gostavam.

Esse mecanismo é preocupante, pois pode gerar um ciclo de isolamento e frustração. A criança, sem perceber, se torna cada vez mais dependente dos estímulos digitais para se sentir motivada, o que pode dificultar seu desenvolvimento emocional e acadêmico. Pais e educadores precisam observar sinais como desinteresse generalizado e apatia para intervir precocemente. Mesmo crianças que não jogam todo dia podem estar sujeitas a esse mecanismo.

Pressão Social e Exclusão

Na escola, muitas crianças se sentem obrigadas a jogar Brawl Stars para pertencer ao grupo. Quem não joga pode ser deixado de lado, gerando sofrimento emocional e reforçando a necessidade de participação no jogo como forma de inclusão social (Przybylski & Weinstein, 2012).

Essa pressão social pode ser especialmente intensa em crianças que ainda estão desenvolvendo sua identidade e habilidades de socialização. O medo de não pertencer ao grupo pode levá-las a passar mais tempo jogando do que gostariam, inconscientemente apenas para manter a conexão com os colegas. O problema se agrava quando o jogo passa a dominar todas as conversas e interações do grupo, limitando outras formas de socialização.

Além disso, crianças que não querem ou não podem jogar podem se sentir excluídas e desvalorizadas. Esse tipo de segregação pode ter impactos emocionais, prejudicando a autoestima e aumentando sentimentos de ansiedade e inadequação. Os pais podem ajudar incentivando a diversificação dos interesses do grupo, promovendo atividades que envolvam todos os colegas.

Armas e Normalização da Violência

O jogo apresenta personagens com armas estilizadas, o que pode dessensibilizar crianças para o impacto da violência. Estudos indicam que a exposição prolongada a esse tipo de conteúdo pode aumentar comportamentos agressivos e reduzir a empatia (Anderson et al., 2010).

Embora Brawl Stars tenha uma estética mais cartunesca, o fato de os personagens resolverem conflitos com armas pode influenciar a percepção infantil sobre violência. Crianças pequenas ainda não possuem discernimento total para diferenciar ficção e realidade, o que pode normalizar atitudes agressivas.

A repetição constante de cenas de combate e a recompensa por derrotar adversários podem condicionar as crianças a associarem competição com violência. Esse tipo de influência pode ser preocupante, especialmente em um contexto onde a violência digital se torna cada vez mais presente na infância.

Youtubers e a Influência Digital

Outro fator preocupante é a influência dos youtubers que jogam Brawl Stars. A exposição constante a streamers reforça a obsessão pelo jogo, já que essas personalidades promovem uma idealização da experiência digital, tornando o jogo ainda mais desejável (Hernández, 2021).

Além disso, o tempo excessivo assistindo a esse tipo de conteúdo gera um ciclo de compulsão semelhante ao da jogabilidade. As crianças passam a consumir vídeos sobre o jogo mesmo quando não estão jogando, prolongando sua exposição ao conteúdo e aumentando a dificuldade de desconectar.

O problema se intensifica quando os youtubers incentivam compras dentro do jogo ou criam desafios que aumentam a competitividade entre os jogadores. Isso pode gerar ansiedade nas crianças e aumentar o desejo por consumo digital. Ainda que pais não liberem dinheiro para as compras disponíveis no jogo, o desejo e a ansiedade podem continuar existindo.

10 Sinais de Alerta

Fique atento para alguns sinais de alerta sobre o vício em games, e/ou para o potencial de vício em um ou mais jogos eletrônicos:

(1) A criança fala o(s) jogo(s) e/ou canais de YouTube de interesse dela várias vezes, tornando um dos principais assuntos iniciados espontaneamente por ele(a);

(2) A criança pede muitas vezes para jogar ou tem dificuldade para encerrar o tempo de jogo quando você pede;

(3)A criança fica agressiva ou desproporcionalmente triste quando pára de jogar ou quando é avisada que teve seu tempo de jogo reduzido ou suprimido;

(4) A criança tem dificuldade de iniciar o engajamento em brincadeiras offline, leituras e esportes de forma espontânea, e/ou começa a engajar mas logo pára e cansa;

(5) A criança relata ou parece se sentir entediada, “sem nada para fazer” ou “sem saber o que fazer” quando não está jogando ou diante da tela;

(6) A criança fica mais irritável e/ou chorosa ao longo do dia;

(7) A criança se sente mais satisfeita e bem-sucedida no jogo online e nas conversas sobre esse tema do que em outras atividades diárias;

(8) A criança relata não querer sair de casa ou estar “com preguiça”, inconscientemente contando com a chance de talvez jogar em casa (mesmo que nem sempre a chance seja concedida pelos pais).

(9) A criança tem cada vez mais “amigos que também jogam” e menos interação social com outras crianças que não jogam.

(10) A criança tenta ligar o celular, tablet, computador, TV ou videogame para jogar em momentos fora do combinado com os pais, mesmo sabendo que isso é errado;

Conclusão

Brawl Stars é apenas um exemplo dos perigos do vício em jogos eletrônicos. Outros títulos populares, bem como o consumo excessivo de YouTube, podem trazer os mesmos riscos e precisam ser analisados com atenção pelos pais.

A mediação parental ativa e o incentivo a atividades offline são essenciais para equilibrar o uso das telas e garantir um desenvolvimento saudável para as crianças. Os pais devem estar atentos a sinais de dependência digital e incentivar a diversidade de interesses, ajudando seus filhos a desenvolverem um relacionamento mais equilibrado com a tecnologia.

Referências Bibliográficas

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