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Dependência de Telas e seus efeitos sobre as crianças

Dra. Giovana Del Prette

Psicóloga infantil, Mestre em Psicologia Clínica, Especialista em Terapia Comportamental, Doutora em Ciências e Pós-Doutora em Psiquiatria. Contato: gdprette@gmail.com / (11)98855-3466 / www.acaciapsi.com.br

20 de Novembro de 2024

O diagnóstico de “dependência de telas” surgiu nas últimas décadas, acompanhando a rápida evolução tecnológica e o aumento do tempo que crianças e adolescentes passam interagindo com dispositivos digitais, como smartphones, tablets, videogames e computadores. Embora o termo ainda não esteja oficialmente reconhecido nos principais manuais de diagnóstico, como o DSM-5 ou o CID-11, ele é amplamente estudado no contexto de comportamentos compulsivos e adições comportamentais, como o transtorno de jogo na internet (Internet Gaming Disorder), que foi incluído no CID-11.

O Papel da Dopamina e o Circuito de Recompensa

No cérebro humano, atividades prazerosas, como comer ou socializar, ativam o sistema de recompensa, que libera dopamina, um neurotransmissor associado à sensação de prazer e motivação. A interação com telas, especialmente em redes sociais, jogos eletrônicos e plataformas de streaming, é projetada para maximizar esse sistema de recompensa, utilizando estímulos constantes como notificações, recompensas virtuais e conteúdo adaptado aos interesses do usuário.

Nas crianças, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento, essa exposição pode gerar uma superestimulação do circuito dopaminérgico. Isso não apenas reforça o comportamento de buscar mais tempo de tela, mas também pode diminuir a sensibilidade do cérebro a recompensas naturais. Esse fenômeno é conhecido como anedonia, ou a incapacidade de sentir prazer em atividades que anteriormente eram satisfatórias.

Abstinência, Raiva e Outros Sintomas

Quando o acesso às telas é restringido ou retirado, muitas crianças demonstram sinais de abstinência, semelhantes aos observados em outros tipos de dependências. Esses sintomas podem incluir:

  • Raiva e irritabilidade: Devido à queda abrupta na liberação de dopamina e ao desejo intenso de retornar à atividade prazerosa.
  • Ansiedade: A ausência das telas pode gerar desconforto emocional significativo, especialmente em crianças acostumadas a usar dispositivos como um mecanismo de regulação emocional.
  • Queda no humor e apatia: A interrupção do estímulo contínuo do circuito de recompensa pode levar a uma sensação de vazio ou tristeza.

O Surgimento do Diagnóstico

A dependência de telas começou a ser descrita à medida que pesquisadores perceberam que o uso excessivo de dispositivos digitais não era apenas uma questão de hábito, mas também um problema neurocomportamental. Estudos como os de Volkow et al. (2011) sobre o impacto da tecnologia no cérebro destacam semelhanças entre o uso compulsivo de telas e outros comportamentos aditivos.

Pesquisas como as de Twenge et al. (2017) também correlacionaram o aumento do tempo de tela em adolescentes a uma maior prevalência de depressão e ansiedade, alertando para os riscos emocionais associados ao uso descontrolado da tecnologia.

Perigos para as Crianças

  1. Prejuízo no Desenvolvimento Social: Crianças que passam muito tempo em telas têm menos oportunidades de interagir face a face, o que pode afetar a empatia, habilidades de comunicação e o desenvolvimento de relações interpessoais.
  2. Impacto no Sono: A exposição à luz azul de telas digitais pode suprimir a produção de melatonina, dificultando o sono e prejudicando o desenvolvimento cognitivo.
  3. Redução na Criatividade e no Brincar Livre: O uso excessivo de tecnologia substitui o tempo que poderia ser dedicado a brincadeiras espontâneas, fundamentais para o desenvolvimento motor e criativo.
  4. Alterações no Comportamento e na Regulação Emocional: A superexposição a conteúdos rápidos e recompensas imediatas pode levar a maior impulsividade, dificuldade de concentração e problemas de regulação emocional.

Como Abordar o Problema

  1. Limites de Tempo: A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda limitar o uso de telas a 1 hora por dia para crianças de 2 a 5 anos e um uso equilibrado para crianças mais velhas. Lembrando que “tela” inclui não apenas os joguinhos eletrônicos como também o uso de TV sozinho ou em família, ou mesmo a TV ligada como “ruído de fundo” enquanto a criança e os adultos estão em outros afazeres.
  2. Educação e Orientação: Ensinar as crianças sobre o impacto do uso excessivo da tecnologia e incentivá-las a explorar atividades offline.
  3. Intervenção Profissional: Nos casos mais graves, a ajuda de psicólogos ou psiquiatras especializados em adições comportamentais pode ser essencial.
  4. Rotinas Familiares Sem Telas: Criar momentos em que toda a família se desconecta, como durante as refeições ou antes de dormir, pode reforçar hábitos saudáveis.

Conclusão

A dependência de telas é um desafio moderno com impactos significativos no desenvolvimento infantil. Embora a tecnologia seja uma ferramenta poderosa, seu uso descontrolado pode prejudicar o bem-estar emocional, social e cognitivo das crianças. Reconhecer os sinais de dependência e adotar estratégias preventivas é fundamental para garantir que a relação das crianças com a tecnologia seja saudável e equilibrada.

Referências

American Academy of Pediatrics (AAP) Guidelines on Media Use for Children.

Twenge, J. M., et al. (2017). Associations between screen time and lower psychological well-being among children and adolescents: Evidence from a population-based study. Preventive Medicine Reports.

Volkow, N. D., et al. (2011). Addiction: Decreased Reward Sensitivity and Increased Expectation Sensitivity Conspire to Overwhelm the Brain’s Control Circuitry. Brain Research Reviews.