Acácia - Psicologia & Psiquiatria

Crianças, adolescentes e o dinheiro

Por: Giovana Del Prette, psicóloga

Nossa vida inteira depende do dinheiro, quer gostemos ou não, quer saibamos ou não. Uma criança pequena pode não saber, mas sua alimentação e seus brinquedos foram trocados por dinheiro por seus pais em supermercados e lojas. Contudo, usualmente as crianças sabem algo sobre o dinheiro desde muito cedo, ao observarem adultos fazendo compras e conversando sobre preços e, posteriormente, ao utilizarem um pouco de dinheiro, ao menos para comprar lanches na cantina da escola.

Às vezes os pais podem se sentir temerosos em permitir que seus filhos lidem com dinheiro, restringindo ao máximo suas possibilidades de fazer qualquer tipo de compra sozinhos, ou tentando evitar que eles participem mais ativamente das compras da família e das conversas sobre os custos das coisas. Em outros casos, há pais que permitem desde cedo que os filhos comprem tudo o que querem, e nem sempre isso vem acompanhado de um ensinamento adequado sobre as finanças; assim, eles sabem os preços mas têm um conhecimento raso sobre os conceitos de “caro” e “barato”, como se faz para “produzir dinheiro”, qual a dificuldade para tal e muito menos a necessidade de poupar, como e quando gastar.

Os dois extremos citados podem ser desastrosos para a educação da criança nesse âmbito. No primeiro, podemos ter como resultado um jovem muito dependente e inseguro, pouco capaz de se arriscar e explorar o ambiente. Imagine que ter autonomia pode incluir, por exemplo, sair sozinho, pegar um táxi, metrô ou ônibus, se virar para comprar comida na ausência dos pais, passear, viajar com os amigos e assim por diante. Todas essas situações envolvem dinheiro. No segundo caso, temos como resultado um jovem consumista, que não precisou aprender a ter autocontrole em relação aos seus gastos e, portanto, poderá nem sequer valorizar o que tem, pois não precisa se esforçar para obter. Este é o perfil de quem tem de tudo mas, “estranhamente”, é um eterno insatisfeito e não tolera frustrações. Os dois casos se agravam com a idade adulta pois, cedo ou tarde, esses jovens terão que enfrentar situações ainda mais complexas, especialmente ao necessitarem se inserir no mercado de trabalho.

Para prevenir estas e outras complicações, os pais podem ficar atentos a algumas práticas educativas para auxiliar crianças e adolescentes a lidar com o dinheiro. Seguem algumas dicas aos pais, mas que também podem ser aplicadas em escolas (hoje em dia há muitas escolas investindo em aulas de economia para seus alunos, como nesta matéria do R7 e nesta do Jornal Hoje).

–  Crianças pequenas podem comprar coisas simples, ao lado dos pais. A estratégia é bastante simples, e o objetivo é ensinar desde cedo a criança a ter desenvoltura no comprar, e saber fazer as perguntas certas. Ao invés dos pais fazerem todo o “trabalho”, podem dar instruções simples às crianças: “Pergunte ao moço quanto custa o suco”; “Dê esse dinheiro ao moço, espere o troco e pegue o suco”.

–  Crianças e adolescentes podem participar da compra de supermercado/feira. Frequentemente, vemos crianças dando shows de birras em supermercados, insistindo para que os pais comprem aquilo que desejam. Assim, fazer as crianças participarem das compras pode parecer um projeto trabalhoso e contraproducente. Na verdade, essas birras têm grandes chances de acontecerem quando as crianças não têm uma tarefa no ambiente, e passam a explorar os espaços e produtos aleatoriamente, arrumando confusão. Portanto, é aconselhável os pais dividirem o trabalho com os filhos. Inicialmente podem permanecer juntos, com divisões como “Eu pego os tomates e você segura a sacolinha aberta”, “Vá buscar o macarrão enquanto eu busco o molho”. Nesses momentos, os pais podem ensinar as crianças a comparar e balancear o preço e a qualidade. À medida que essa tarefa se torna natural, os pais podem aumentar o nível de dificuldade e de independência, por exemplo, ao repartir a lista em duas metades e deixar a criança (ou adolescente) na incumbência de juntar sua parte, no seu próprio carrinho.

–  Crianças e adolescentes podem ter uma “mesada”. A mesada (ou semanada) é uma maneira interessante de ensinar a criança a administrar gastos. Consiste num valor estabelecido, periodicamente, para os pais darem à criança uma quantia pré-definida. É importante que a criança/adolescente saiba, de antemão, quais coisas não precisa comprar com o próprio dinheiro e quais coisas os pais não comprarão para ela. Os acordos podem variar bastante. Os pais podem propor, por exemplo, que o lanche da cantina deve ser comprado com o dinheiro da criança, mas ela tem a opção de levar comida de casa – ou seja, caso queira economizar algum dinheiro ela não passará fome. Brinquedos fora de datas especiais (dia das crianças, aniversário, natal…) são considerados mais “supérfluos” e, portanto, comprados com o dinheiro da criança. Para adolescentes, pode ser realizado um acordo em que os pais compram as roupas que eles estão realmente “precisando”, mas roupas “extra” são compradas com a mesada. Mas, atenção: a quantia deve ser suficiente para as compras pequenas e rotineiras (como o lanche da cantina da escola), mas sem exceder tanto que os filhos nunca precisem economizar. É importante haver a necessidade de economia, de aprender a “juntar dinheiro”, para valorizá-lo ao comprar produtos mais caros. Se a criança gastar demais, ficará rapidamente sem dinheiro e, da próxima vez, aprenderá naturalmente a ser mais cautelosa, sem a necessidade de “broncas”. Outro fator essencial é que os pais (e também os parentes próximos, como avós e tios) devem evitar dar dinheiro aleatoriamente para a criança/adolescente (mesmo que ela peça) pois, se isso acontece, todos os outros combinados deixam de ter sentido. Os presentes eventuais, sem motivo nem data, podem ocorrer desde que em pequenas doses. Além disso, não é necessário dar presentes caros. O essencial desses pequenos presentes é o “vi isso e lembrei de você”, como uma demonstração de carinho. Para finalizar, outra opção válida para a mesada é estabelecer um “mínimo” e, a partir daí, a criança/adolescente ganhar alguns bônus, contingentes a quantos dias estudou e fez as tarefas, ou fez alguns serviços da casa (como arrumar o quarto, lavar a louça, levar o lixo para fora).

–  Crianças e adolescentes podem ter atitudes econômicas para o bem de toda a família. É muito interessante ensinar a criança a ter algumas atitudes que não beneficiarão somente a ela (como no caso da mesada), mas a toda a família e às vezes da sociedade. Isso acontece, por exemplo, quando os pais a ensinam a economizar água, fechar torneiras que estão pingando, não deixar a geladeira aberta, apagar as luzes ao sair dos cômodos, separar o lixo reciclável, prever adequadamente quanta comida irá comer, e assim por diante. Adolescentes que trabalham também podem pagar algum gasto da casa (como a conta de gás, de luz ou outra), a partir de um acordo com os pais. É importante que haja algum pequeno sacrifício nesse ato, mas não a ponto de desestimulá-lo. Assim, aprenderá a contribuir com o grupo e trabalhar pelo coletivo, em oposição a uma atitude demasiado individualista.

–  Crianças e adolescentes podem contribuir em ações assistencialistas. Os pais podem combinar com as crianças/adolescentes, em algumas datas do ano, momentos para fazerem algumas ações assistencialistas. Isso pode incluir a doação de parte da mesada (somada a uma parte do salário dos pais) na ajuda de necessitados. É ainda mais produtivo se pais e filhos comprarem mantimentos com esse dinheiro e, eles mesmos, levarem os mantimentos até a instituição escolhida, onde podem passar algumas horas interagindo com os beneficiados. Outras ações são válidas além da compra de mantimentos. Elas incluem a separação de brinquedos e roupas que não são mais utilizados. Nesses momentos, a criança/adolescente pode perceber quais compras foram desnecessárias e excessivas, e reavaliar seus critérios.
Com essas e outras práticas educativas, os pais certamente irão prevenir vários problemas futuros no relacionamento dos seus filhos com as questões financeiras. Além disso, aumentam a chance de que eles sejam agentes de transformação social, preservação ambiental e deem bons exemplos aos seus colegas e às próximas gerações.